A saúde mental no ambiente de trabalho é um tema que vem ganhando crescente atenção no Brasil e no mundo. Com o avanço das discussões sobre bem-estar e qualidade de vida no trabalho, a nova Norma Regulamentadora número 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego, surge como um marco importante para a proteção da saúde mental dos trabalhadores. Neste artigo, vamos explorar em detalhes essa norma, seus objetivos, desafios e a importância de sua implementação para criar ambientes de trabalho mais saudáveis e humanos.
Este conteúdo é baseado em uma entrevista exclusiva com o Dr. Adalberto Botarelli, doutor em Psicologia e professor do curso de Psicologia da FSA, que compartilhou insights valiosos sobre o tema em uma transmissão do Repórter Diário.
O que é a NR-1 e qual sua importância para a saúde mental no trabalho?
A NR-1 é uma norma regulamentadora que trata do gerenciamento de riscos ocupacionais, incluindo aspectos relacionados à saúde mental no ambiente corporativo. Ela foi criada para estabelecer diretrizes obrigatórias que as empresas devem seguir para identificar, avaliar e controlar os riscos que podem afetar a saúde mental dos seus colaboradores.
Até o momento, a vigência obrigatória da NR-1 foi prorrogada para 25 de maio de 2026, permitindo um período mais longo para que as organizações compreendam, se adaptem e implementem as mudanças necessárias. Essa prorrogação foi resultado de pedidos para melhor entendimento e preparação, visando evitar uma aplicação precipitada que pudesse acarretar mais problemas do que soluções.
Aspectos abrangidos pela NR-1
A norma vai além dos tradicionais riscos físicos do ambiente de trabalho, como ruído e condições ergonômicas, ao incluir também os riscos psicossociais, tais como:
- Estresse ocupacional
- Assédio moral
- Sobrecarga de trabalho
- Conflitos interpessoais e violência simbólica
- Fatores que afetam o equilíbrio emocional e mental dos trabalhadores
Esses fatores, antes muitas vezes negligenciados ou difíceis de mensurar, agora passam a ser foco de atenção obrigatória das empresas, que devem criar mecanismos para identificá-los e agir preventivamente.
Por que a saúde mental no trabalho é uma preocupação urgente?

Dados recentes do Ministério da Previdência Social indicam que, em 2024, mais de 470.000 pedidos de afastamento por problemas relacionados à saúde mental foram registrados. Isso inclui casos de estresse extremo, depressão, síndrome do pânico, entre outras condições que afetam diretamente a capacidade do trabalhador de exercer suas funções.
Essa realidade evidencia que, mesmo em ambientes predominantemente administrativos ou remotos, os impactos da saúde mental são profundos e crescentes. A saúde mental deixou de ser um tema marginal para se tornar uma das principais preocupações no mundo corporativo.
A evolução da percepção sobre saúde mental no trabalho
O Dr. Botarelli destaca que, historicamente, as normas de segurança do trabalho focavam em riscos físicos e materiais. Porém, no século XXI, percebeu-se que o ambiente de trabalho pode causar sofrimento emocional e mental, impactando a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores.
Hoje, a saúde mental é vista não como uma questão individual ou de fraqueza pessoal, mas como resultado da interação entre o trabalhador e o ambiente. A nova norma reconhece que o ambiente pode ser um fator de adoecimento e, portanto, deve ser estruturado para acolher e proteger a diversidade e as vulnerabilidades humanas.
Como a NR-1 promove um ambiente de trabalho mais saudável e humanizado?
Um dos grandes avanços da NR-1 é a obrigatoriedade de mensurar e gerenciar os riscos psicossociais, o que inclui criar canais de comunicação e escuta para os trabalhadores. A norma incentiva a participação ativa dos colaboradores na identificação dos problemas e na busca de soluções.
O foco está em prevenir o sofrimento potencial, que pode se manifestar de formas variadas e individuais, evitando o desenvolvimento de doenças mentais mais graves. A ideia é que o ambiente de trabalho não seja um elemento que agrava o sofrimento, mas sim um espaço que promove o equilíbrio emocional e oferece suporte.
Equilíbrio entre demandas e condições pessoais
Segundo o especialista, o fator equilíbrio é essencial para mitigar riscos psicossociais. Isso significa que as metas e expectativas devem ser realistas e consideradas dentro das singularidades de cada trabalhador, respeitando suas capacidades e contextos pessoais.
Além disso, é fundamental que o ambiente corporativo permita que o trabalhador tenha vida fora do trabalho, com espaço para lazer, cultura e convívio social, evitando o isolamento e a sobrecarga que contribuem para o desgaste mental.
O papel dos líderes e gestores na implementação da NR-1
Uma das estratégias centrais para o sucesso da norma é o preparo dos líderes e gestores das equipes. Eles precisam estar capacitados para reconhecer sinais de sofrimento, evitar práticas abusivas como o assédio moral e manter uma comunicação aberta e empática.
O Dr. Botarelli enfatiza que a liderança deve ir além de metas e resultados numéricos, compreendendo os processos relacionais e as necessidades emocionais dos colaboradores. Isso inclui:
- Estabelecer um ambiente de confiança
- Promover o diálogo constante
- Respeitar os limites individuais
- Agir preventivamente diante de situações de risco
Essas ações contribuem para um ambiente mais humano e produtivo, reduzindo afastamentos e aumentando a satisfação no trabalho.
Comunicação como ferramenta fundamental
Outro ponto destacado é a importância da comunicação assertiva. O ambiente de trabalho deve garantir canais para que os trabalhadores possam expressar suas dificuldades antes que elas se agravem. Isso inclui:
- Ouvir ativamente as demandas e queixas
- Promover o engajamento dos colaboradores na construção de soluções
- Implementar medidas que respondam às necessidades reais do time
Essa troca constante entre liderança e equipe é vital para o manejo eficiente dos riscos psicossociais.
Por que envolver profissionais de psicologia é essencial?
A NR-1 determina que o gerenciamento dos riscos psicossociais deve contar com a participação de psicólogos, que possuem a formação e a licença legal para atuar nessa área específica. O psicólogo deve fazer parte da equipe ou atuar como assessor externo, contribuindo com:
- Diagnóstico preciso dos riscos
- Planejamento de intervenções adequadas
- Acompanhamento e avaliação contínua dos resultados
Segundo o Dr. Botarelli, profissionais que atuam sem essa formação específica podem estar exercendo ilegalmente a profissão, o que reforça a importância de buscar especialistas qualificados para implementar a norma de forma ética e eficaz.
Implementação prática: desafios e recomendações
Implementar a NR-1 de forma eficiente demanda planejamento e diagnóstico cuidadoso. Cada organização possui características próprias, como o perfil dos colaboradores (faixa etária, experiência, diversidade), o tipo de trabalho e a cultura organizacional.
Recomenda-se uma abordagem estruturada que inclua:
- Mapeamento dos riscos psicossociais presentes
- Participação ativa dos trabalhadores na identificação das dificuldades
- Capacitação de líderes para gestão humanizada
- Criação de canais de comunicação e escuta efetivos
- Monitoramento contínuo dos indicadores de saúde mental
- Intervenções preventivas e corretivas baseadas em evidências
O objetivo é criar um ambiente que não apenas evite o adoecimento, mas que também promova o bem-estar e a motivação dos trabalhadores.
O papel do planejamento e diagnóstico
Um bom planejamento é essencial para antecipar situações críticas e definir estratégias para enfrentá-las. Isso inclui conhecer a operação da empresa, entender os momentos de maior pressão e ajustar as demandas para que não ultrapassem os limites saudáveis.
O diagnóstico deve ser detalhado e considerar variáveis emocionais, sociais e culturais, permitindo um olhar abrangente sobre as causas do sofrimento no trabalho.
O futuro da saúde mental no ambiente corporativo
A NR-1 representa um avanço significativo na proteção da saúde mental no ambiente de trabalho, mas sua eficácia dependerá do compromisso real das empresas e da sociedade em geral.
O foco na humanização do ambiente corporativo é um passo fundamental para que problemas sejam abordados com empatia e responsabilidade, superando tabus e preconceitos que ainda cercam a saúde mental.
Além disso, a norma reforça a importância de um olhar coletivo, que reconheça o papel do ambiente no sofrimento individual e que promova a inclusão e o respeito às diferenças.
Benefícios esperados com a implementação da NR-1
- Redução dos afastamentos por problemas de saúde mental
- Melhoria no clima organizacional e na satisfação dos colaboradores
- Aumento da produtividade e da qualidade do trabalho
- Prevenção de conflitos e assédio moral
- Fortalecimento da imagem institucional das empresas
Conclusão
A Norma Regulamentadora número 1 traz um olhar inovador e necessário para a saúde mental no ambiente corporativo. Com a inclusão dos riscos psicossociais e a obrigatoriedade de sua gestão, abre-se uma oportunidade para que as empresas construam espaços de trabalho mais humanos, equilibrados e acolhedores.
O desafio é grande, pois envolve mudar culturas, formar lideranças sensíveis e capacitar equipes para lidar com as complexidades do sofrimento mental. No entanto, o caminho está traçado e o tempo para se preparar é até maio de 2026, com um período educativo e de adaptação já em andamento.
Investir em saúde mental no trabalho não é apenas uma obrigação legal futura, mas uma necessidade urgente para garantir o bem-estar dos trabalhadores e a sustentabilidade das organizações.
Se você é gestor, líder ou colaborador, este é o momento de se informar, buscar apoio de profissionais qualificados e participar ativamente da construção de um ambiente corporativo mais saudável para todos.
“A saúde mental é um tema que avançamos quando fazemos atividades que superam preconceitos e desmontam tabus. É importante ter canais de diálogo e escuta para enfrentar os desafios do mundo do trabalho.” – Dr. Adalberto Botarelli