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Raquel Palasio: Da FSA ao Pós-Doutorado – Uma Trajetória de Ciência, Saúde e Superação

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A egressa da Fundação Santo André (FSA)Raquel Palasio, é um verdadeiro exemplo de como dedicação, paixão pela pesquisa e uma base acadêmica sólida podem transformar sonhos em impacto real na sociedade. Formada em Ciências Biológicas, ela hoje se destaca no pós-doutorado, investigando a relação entre mudanças climáticas e doenças infecciosas, como chikungunya e zika.

Nesta entrevista exclusiva para o Projeto DNA FSA – Talentos de Ouro, Raquel compartilha sua trajetória, os desafios da carreira científica e como sua formação na FSA foi fundamental para sua jornada. Confira!

Para começarmos, conte um pouco sobre você. Como foi sua trajetória desde a graduação na Fundação Santo André até chegar ao pós-doutorado?

Raquel: Fiz Ciências Biológicas na FSA e, no último ano, participei de alguns estágios voluntários. Inclusive, tive a oportunidade de fazer iniciação científica no Museu de Zoologia, no laboratório de biologia molecular. Aliás, a FSA me deu muita bagagem para esse começo de trajetória e para muitas coisas que vieram depois.

Ao terminar a graduação, fiz um aprimoramento profissional na extinta SUCEN (que hoje, em parte, virou o Instituto Pasteur), também no laboratório de biologia molecular. Foi nesse período que comecei a estudar uma doença negligenciada: a esquistossomose. Durante o aprimoramento, minha orientadora me incentivou a fazer o mestrado — e lá fui eu para a Unicamp.

No mestrado, fiz muitas coletas de campo, trabalhando com caramujos vetores da esquistossomose. Como precisava mapear os pontos de coleta, acabei me interessando por análise espacial. Esse interesse virou um dos focos do meu doutorado, na Faculdade de Saúde Pública da USP, que ainda envolveu a parte molecular dos caramujos, análise filogenética e, claro, análise espacial, onde me aprofundei mais.

Durante a pandemia de Covid-19, passei a integrar o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo, atuando com análises espaciais para monitorar a distribuição da doença no território paulista. Essa experiência foi fundamental para aplicar, em tempo real, o que eu vinha pesquisando, colaborando com estratégias de vigilância e resposta à pandemia.

Depois disso, tentei (e consegui) uma bolsa da FAPESP para o pós-doc na FSP/USP. O foco era outra doença, chikungunya e zika, mas ainda uma doença negligenciada. E no pós-doc tive a oportunidade de fazer um estágio de pesquisa (intership) em Londres, no Imperial College — uma experiência muito enriquecedora. Desde então, venho me aprofundando mais nessa relação entre saúde pública, meio ambiente, clima e território.

Durante o curso de Ciências Biológicas na FSA, quais foram os momentos, professores ou experiências que mais marcaram sua formação?

Ah, foram muitos momentos marcantes! Lembro com carinho das saídas de campo — como a ida à Praia Branca com o professor José Laporta e as atividades de geologia, que eram sempre muito ricas. Também tive experiências incríveis nos laboratórios. As práticas com Drosófila, com a professora Adriana, me despertaram muito interesse, assim como os experimentos com células, nas aulas da professora Priscila.

As aulas de Zoologia também foram muito especiais — analisar os animais em laboratório foi algo que me marcou bastante. E claro, toda a parte molecular, como PCR e outras técnicas, me deu uma base fundamental que me ajudou a entrar na Iniciação Científica depois.

Adorava as aulas de Bioquímica com o professor Sallai — ele tinha uma didática ótima e fazia a matéria parecer leve. As aulas de Didática também foram muito importantes na minha formação como educadora.

E, além dos professores e conteúdos, tem as amizades que construí na faculdade — amizades que levo comigo até hoje. Tudo isso fez parte da base que me trouxe até aqui.

O que te motivou a seguir o caminho da pesquisa científica, especialmente voltada às relações entre meio ambiente e saúde?

Acho que desde criança sempre tive essa vontade de preservar o meio ambiente e a natureza. Provavelmente muito por conta da minha criação e dos ensinamentos dos meus pais. Foi essa motivação que me levou a escolher o curso de Ciências Biológicas — eu queria poder ajudar os animais, fazer algo pela natureza.

Mas, ao mesmo tempo, eu também gostava muito de laboratório. Achava fascinante! Sempre fui apaixonada por genética, números e cálculos. A FSA ajudou bastante a manter esse caminho vivo em mim. A Iniciação Científica, que inclusive tive a oportunidade de transformar no meu TCC, intensificou ainda mais essa vontade de seguir na pesquisa.

No último ano da graduação, comecei a me interessar pelos temas ligados a mudanças climáticas e saúde. Lembro até de um professor comentando sobre a importância de manter o pensamento positivo, de acreditar que podemos fazer alguma diferença. E isso ficou comigo. Sabe aquela velha história da estrela-do-mar? Que a gente não consegue salvar todas, mas para aquela que você devolve ao mar, faz toda a diferença? Acho que é mais ou menos isso que me move até hoje.

Curiosamente, a saúde pública não era o plano inicial, mas tudo foi me levando até ela. Agora estudo doenças negligenciadas, que têm tudo a ver com desigualdade social, com populações em situação de maior vulnerabilidade. E é nessa intersecção entre saúde, ambiente e justiça social que eu tento, de alguma forma, fazer a diferença.

Seu trabalho de pós-doutorado aborda a relação entre o vírus Chikungunya e o clima. Poderia explicar, de forma acessível, qual é o foco principal dessa pesquisa e por que ela é importante?

A ideia principal da minha pesquisa é entender como o clima — como a temperatura e a quantidade de chuva, por exemplo — influencia na ocorrência de doenças como a chikungunya. Essas doenças são transmitidas por mosquitos, e o ambiente tem um papel enorme nisso. Quando o clima está mais quente e úmido, por exemplo, os mosquitos se reproduzem mais rápido e se espalham com mais facilidade.

O que eu faço é analisar, usando mapas e modelos estatísticos, onde e quando essas doenças aparecem com mais frequência — e como isso está relacionado ao clima, à vegetação, ao ambiente e também às condições sociais da população. A ideia é identificar padrões e áreas de maior risco, o que pode ajudar os serviços de saúde a se prepararem melhor, alocar melhor os recursos e tomarem decisões mais eficientes, especialmente em períodos críticos.

Além disso, o estudo também destaca a importância das mudanças climáticas. Um dos resultados mostra que o aumento da temperatura pode ampliar a distribuição dessas doenças, o que reforça a necessidade de pensar políticas de saúde e urbanismo já levando isso em consideração. Essa pesquisa está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, especialmente o ODS 3, que trata de saúde e bem-estar, e o ODS 13, que foca na ação contra as mudanças climáticas. Entender como o ambiente influencia a saúde é essencial para pensar políticas públicas mais eficazes e sustentáveis.

Recentemente, você apresentou um short talk sobre mudanças climáticas e doenças infecciosas e foi premiada. Como foi essa experiência? Que impacto esse reconhecimento teve para você?

Foi uma experiência incrível! Ainda está tudo muito recente, mas foi marcante por vários motivos. Primeiro porque foi a primeira vez que apresentei oralmente em inglês — eu já tinha participado de outras conferências internacionais, mas sempre com pôster. Então, só o fato de apresentar já foi um desafio enorme.

Ter recebido o prêmio pelo resumo foi muito motivador. Mostra que todo o esforço valeu a pena. E olha que não foi fácil chegar até o modelo estatístico final — organizar toda a base de dados do Brasil, com os casos e todas as variáveis, foi um trabalho gigante. Além disso, os modelos são tão complexos que mesmo em um supercomputador levam dias para rodar. Então, ver isso reconhecido é realmente gratificante.

Outro ponto positivo foi a ajuda de custo que recebi com o prêmio, o que ajudou muito a cobrir a viagem. Mas mais do que isso, foi uma oportunidade incrível para conhecer pessoas de diferentes países que também estão estudando esse tema, trocar ideias e aprender com outras realidades. E, claro, conhecer outra cultura — o que, pra mim, tem um valor imenso. Se alguém me dissesse há 20 anos que um dia eu estaria apresentando um trabalho fora do Brasil, em inglês, eu provavelmente não acreditaria. Mas, de alguma forma, todo esse esforço vem dando frutos, especialmente nos últimos anos.

Quais os principais resultados ou descobertas que você já teve com sua pesquisa até o momento? Há alguma contribuição direta para a sociedade ou para a saúde pública?

Com a pesquisa de pós-doutorado, os resultados mostraram que o aumento da temperatura está diretamente ligado ao crescimento de casos de chikungunya em algumas regiões do Brasil, o mesmo sendo identificado, de forma preliminar, também para os casos de Zika. Identificamos que chikungunya tendem a se expandir geograficamente — com redução no Nordeste e aumento no Sudeste e Centro-Oeste —, acompanhando padrões climáticos e de mobilidade urbana. Além disso, observamos surtos fora do padrão esperado, inclusive em períodos de inverno, o que reforça como o aquecimento global pode prolongar a atividade do mosquito transmissor.

Os modelos estatísticos utilizados apontaram fatores associados à ocorrência de chikungunya, como baixa altitude, maior mobilidade urbana e até melhores condições socioeconômicas — o que chama a atenção, já que essas doenças costumam estar relacionadas a áreas mais vulneráveis. Também observamos associação com biomas como Caatinga, Cerrado e Amazônia, enquanto variáveis como precipitação e cobertura florestal não apresentaram relação clara com os casos. Esses achados contribuem para identificar áreas de risco e orientar ações mais precisas na prevenção e controle das doenças.

Já no doutorado, meu foco foi a esquistossomose, outra doença negligenciada. Mapeei a distribuição de caramujos vetores no Médio Paranapanema (SP) e relacionei essas informações aos casos humanos da doença. Com isso, conseguimos identificar áreas de maior risco e evidenciar a correlação espacial entre a presença dos moluscos e os casos registrados. Também, investiguei a diversidade genética desses vetores, o que é essencial para entender como eles se dispersam e se adaptam ao ambiente.

Além disso, realizei projeções sobre a distribuição futura desses caramujos transmissores, considerando diferentes cenários de mudanças climáticas. Os resultados indicam que algumas espécies podem se expandir para novas áreas no futuro, especialmente em regiões já vulneráveis historicamente. Isso reforça como o clima influencia diretamente na presença dos vetores e, consequentemente, no risco de transmissão da doença. Esses dados ajudam a orientar ações preventivas mais eficazes e direcionadas.

Esses trabalhos demonstram como a análise espacial, integrada a dados ambientais, climáticos e sociais, pode contribuir diretamente para o planejamento em saúde pública. Identificar padrões de risco e compreender a influência do ambiente na disseminação dessas doenças permite antecipar surtos, melhorar a vigilância e proteger populações mais vulneráveis.

De que forma a formação recebida na FSA contribuiu para a cientista que você se tornou hoje?

A formação na FSA foi essencial para o que sou hoje como cientista. Foram muitos momentos marcantes, como os laboratórios, as saídas de campo e as aulas práticas, que me fizeram apaixonar ainda mais pela pesquisa. Eles me fizeram entender que a pesquisa vai muito além da teoria — é colocar a mão na massa, observar, errar e aprender. E, claro, durante o curso, adquiri uma base sólida em métodos epidemiológicos, estatística e técnicas de laboratório e de coleta de campo, que são essenciais para a minha trajetória na pesquisa.

Os professores inspiradores me mostraram que ser cientista é ter curiosidade constante e coragem para enfrentar desafios. Além disso, o ambiente acolhedor e a convivência com colegas criaram uma rede de apoio que até hoje é fundamental para minha caminhada. Essa base sólida da FSA me deu confiança para seguir na pesquisa, mesmo quando as coisas pareciam difíceis, e para buscar sempre um impacto real na saúde e no meio ambiente.

Que conselho você deixaria para os atuais estudantes de Ciências Biológicas da Fundação Santo André que sonham em seguir na área acadêmica e na pesquisa?

Persistam, porque é um caminho trabalhoso e muitas vezes cansativo, mas as coisas vão melhorando. É preciso aprender a ter jogo de cintura quando os experimentos ou modelos não dão certo; além de muito estudo, é preciso criatividade para resolver esses desafios. A pesquisa também é prazerosa, especialmente por permitir conhecer outros pesquisadores e tentar fazer a diferença. E, claro, a oportunidade de conhecer o mundo — algo que talvez eu não estaria vivendo se não tivesse seguido essa trajetória.

Aceitem os desafios, mesmo que pareça que não estão preparados — talvez nunca estejamos totalmente. É meio estranho dar conselhos, não sei se já estou nesse patamar, mas o importante é estar sempre tentando evoluir. Ah, e não esqueçam de fazer outras coisas também: praticar esporte, se divertir, cuidar da saúde física e mental. Isso é fundamental para aguentar a jornada.

Para finalizar: quais são seus planos e próximos passos na carreira científica? E existe alguma curiosidade ou desafio marcante da sua trajetória que gostaria de compartilhar conosco?

Daqui pra frente, a ideia é aprofundar as análises usando modelos bayesianos mais detalhados em regiões como Campinas e a Baixada Santista, onde os casos de arboviroses, como chikungunya e Zika, têm sido bem frequentes. Depois, o plano é aplicar essa mesma lógica de análise para o Brasil inteiro, observando a coocorrência dessas doenças. Estamos trabalhando com uma abordagem multiescala, que permite enxergar tanto o que acontece entre os municípios quanto dentro deles — e isso pode fazer muita diferença na forma como as ações de controle são planejadas. A metodologia também pode ser aplicada para estudar outras doenças, o que é bem animador.

Além disso, estou integrando o INCT-KLIMAPOLIS, que conecta mudanças climáticas, ambiente urbano e saúde pública. Nesse projeto, seguirei analisando chikungunya, Zika e também dengue nos municípios de São Paulo e Natal. Por isso, estou tão animada com a possibilidade de continuar nessa linha, com uma equipe tão diversa e qualificada. Agora, um fato curioso sobre mim: minha trajetória na ciência sempre correu em paralelo com o judô. Desde a graduação, sempre tentei equilibrar as duas coisas — já competi no shiai (a luta em que os dois tentam derrubar o outro, como nas Olimpíadas) e, hoje em dia, estou mais focada na modalidade de kata (uma sequência pré-estabelecida, normalmente em dupla, que demonstra a eficiência das técnicas). Sou faixa preta 3º dan, tenho alguns títulos e atualmente sou competidora da equipe de São Caetano. Parece até outra vida, mas, de certa forma, o judô também me ensinou muito sobre disciplina, paciência e resiliência — qualidades que são bem úteis na ciência também!

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